quarta-feira, 24 de junho de 2020

CADEIRAS NAS CALÇADAS


No Sertão, o qual guardo na lembrança,
Houve um tempo cadeiras nas calçadas.
Eram prosas, poesias e risadas…
E maior que as pelejas, esperança…
Esse mundo, dos tempos de criança,
Tem café bem cheiroso na cozinha,
Tem um frio que só vem de manhãzinha
Pra poder escutar a cantoria,
Tem painho na luta noite e dia
E tem beijos e abraços de mãinha.

Tem um galo boêmio no terreiro,
Enxerido, cantando dona Aurora,
Tem um vento que passa toda hora
E diz ele que roda o mundo inteiro,
Um vigia chamado candeeiro
Que o escuro tem medo que se pela,
Tem semblantes sinceros na janela
E na rua um calmo vai e vem,
Tem cochichos melosos (oh, meu bem…)
No ouvidinho da mais linda donzela.

Nesse mundo di versos incarnados
O meu povo se veste de jardim
E vestindo-se todo dia assim
Vive sempre florido, perfumado…
Vive sempre bonito, enfeitado…
Como festa que junta muita gente,
Como quem pra falar, primeiramente,
Escancara um sorriso muito belo,
Inclusive, se acaso for banguelo,
Ao sorrir-nos, nos deixa mais contente.

Lá também tem rapazes beija-flor,
Namorando co’os moços no portão,
Ao beijarem-se é grande a emoção
Por ver sonhos de tudo quanto é cor.
Nessa hora perguntam: - O senhor
Poderia deixar-nos ir à praça?
O pai diz: - Eu não sei qual é a graça
Que vocês tanto vê em ir pra lá.
Depois disso diz: - Filho venha cá.
- Pode ir, mas cuidado! E lhe abraça.

O pai fica olhando o casalzinho,
Emociona-se e pensa o quanto essa
Nossa vida caminha tão depressa,
Já não tarde e aquele bebezinho
Que ele vira nascer deixa o seu ninho,
E quem fica? Ausência em seus braços…
E quem fica? Lembrança dos abraços…
E uma casa repleta de vazios…
É a vez de esperar novos plantios
Pra que os netos ocupem tais espaços.

Senhor tempo, por que tu corres tanto?
Por que tu, rédeas soltas, desembestas
De maneira cruel e desonesta,
Não percebes a dor e todo o pranto?
Muito sábio, o tempo, disse o quanto
Tudo isso também o incomoda,
Mesmo ele, que nunca se acomoda,
E mostrando o relógio me falou:
- Teu sistema foi quem o acelerou,
Atualmente, é quem vem ditando a moda.

Mas o Sol sempre brilha nos trazendo
Seu calor e nos faz a gentileza
De espantar o fantasma da tristeza,
Quando chega, já vem logo dizendo:
- Alevanta mofino! Num tá vendo
A beleza aqui deste lugar?
- Se apronte, pois eu vou te levar
No melhor rala coxa da cidade…
Ele traz a maior felicidade
Toda vez quando vem nos abraçar.

E ao chegarmos, contentes, no forró
Avistamos a dona Bastiana
Que, dançando a moda paraibana,
Parecia que tinha dado um nó.
Tinha um bêbado solto a dançar só,
Muganguento que eu nunca vi igual,
Ele foi convidando o pessoal
E ligeiro formamos a quadrilha,
Até Santo João seguiu a trilha
Deste nosso belíssimo arraial…

***

Palmilhando as veredas do talvez,
Fui seguindo no rastro do meu verso…
Sei que, nisso, cheguei ao universo…
Onde mora a dona Aridez.
Conversando, contou-me, certa vez,
Sobre como parir uma obra-prima;
Ela olhou-me e falou, com muita estima:
- Vou passar-te a fórmula secreta…
Pra poder produzir-se um bom poeta,
O Sertão é a melhor matéria-prima.

___
do livro a butija dos dizer (coleção Mimo, Alpharrabio, 2018)


Sem comentários:

Enviar um comentário