segunda-feira, 27 de abril de 2020

EntreVistas


Tive a felicidade de participar do EntreVistas, projeto do Artur Gomes e do Jiddu Saldanha. Quem quiser saber, um pouquinho mais, sobre a nossa poesia, é só CLICAR AQUI e deixar a vista correr, tranquila, pelos fraseados da conversa. Um beijo!


sexta-feira, 24 de abril de 2020

confluências


                    para Nem de Marciano-Peba, meu pai
                                                         (in memoriam)
                                                                               e
                                    para João Miguel, meu filho


meu pai guardava nas mãos grossas um tino de prumo
consertador de tristezas e confeccionava tigelas com telhas
de barro e geometrias para banhar nosso limoeiro que floria-se

meu pai acocava-se em cadeiras de bar e bancos de igreja
co’a mesma serenidade que coloria joaninhas e borboletas
e invernava cururus ou fumava cigarros olhando pro céu

meu pai trazia da feira um saquinho com bombons de mel
de abelha e um grande sortimento de sorrisos bem contentes
embrulhados em bonitas canções de nelson gonçalves

meu pai luzia seu vulcabrás folheando a infância de pé no chão
metido em divertidas corridas de jumento e traquinagens tantas
até envolvendo paus-de-bosta e matutos namoradeiros

meu pai usava sempre um turbante de sonhos mas tinha duas 32
carregadas de inteligências e não tinha medo de lutas-labutas
diárias e as encarava de mangas arregaçadas e peito aberto


meu pai uma vez pôde tirar um calhambeque do bolso mas sempre
sentava-se no chão para brincar e ensinou-me a remendar pneus
de bicicleta e sujar mãos de terra e de graxa e devolver trocos errados

atrepado nas nossas lembranças vou aqui alinhavando estes versos
como quem sente hoje os braços cangueiros consertarem chorinhos
(e joão miguel crescerá à sombra de teus doiros rastros, meu pai)

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do livro a butija dos dizer (coleção Mimo, Alpharrabio, 2018)


quarta-feira, 22 de abril de 2020

agricultura familiar


                    para Luzia Maninha


disposta pela sala
a família
se senta no chão bem no meio da porta
lugar onde corre um arzinho

um lençol grosso de algodão cru
sobre o qual se deita o feijão em bagem
verdinho
lhes cobre até a cintura

o debulhar dá o tom da prosa
à roda
anda o versejar
chuleando cantigas de toda qualidade

os feijões debulhados
vão se aconchegando tranquilos no centro do tecido
satisfeita co’a missão cumprida
a palha se posta de lado

o pai sorri
há enfim o que botar no fogo
a mãe se aquieta
o labor lhes trouxera algum proveito

as crianças sabem
mora ali uma brincadeira diferente demais
e saltam da ingenuidade
à certeza da próxima refeição

foi num foi
um feijãozinho mais afoito toma o rumo
de alguma boca
(entreolhar em regozijo)

só a poesia
numa boquinha de noite
sertaneja
pode dizer o que acontece ali


a boniteza do momento
não cabe no balaio do seo perpétuo
o porvir
é sempre um punhal caprichoso a riscar as faces

de repente
quando dona penúria encostar de novo
encontrará a fortaleza de mãos muito mais grossas
em comunhão