para Nem de Marciano-Peba, meu pai
(in
memoriam)
e
para
João Miguel, meu filho
consertador de tristezas e confeccionava tigelas com telhas
de barro e geometrias para banhar nosso limoeiro que floria-se
meu pai acocava-se em cadeiras de bar e bancos de igreja
co’a mesma serenidade que coloria joaninhas e borboletas
e invernava cururus ou fumava cigarros olhando pro céu
meu pai trazia da feira um saquinho com bombons de mel
de abelha e um grande sortimento de sorrisos bem contentes
embrulhados em bonitas canções de nelson gonçalves
meu pai luzia seu vulcabrás folheando a infância de pé no chão
metido em divertidas corridas de jumento e traquinagens tantas
até envolvendo paus-de-bosta e matutos namoradeiros
meu pai usava sempre um turbante de sonhos mas tinha duas 32
carregadas de inteligências e não tinha medo de lutas-labutas
diárias e as encarava de mangas arregaçadas e peito aberto
meu pai uma vez pôde tirar um calhambeque do bolso mas sempre
sentava-se no chão para brincar e ensinou-me a remendar pneus
de bicicleta e sujar mãos de terra e de graxa e devolver trocos errados
atrepado nas nossas lembranças vou aqui alinhavando estes versos
como quem sente hoje os braços cangueiros consertarem chorinhos
(e joão miguel crescerá à sombra de teus doiros rastros, meu pai)
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do livro a butija dos dizer (coleção Mimo, Alpharrabio, 2018)
meu pensamento sempre procura os abraços de seo Nem de Marciano-Peba. entre sorrisos e semblantes expressivos, palmilhamos conversas de toda qualidade. foram muitíssimas as ocasiões em que o ouvi falar sobre “verso”, como ele denominava todos os formatos de poesia. costumava criticar alguns poemas, dizendo que tinha muito “pé quebrado”. pois é! a escola da vida forma bons críticos literários. é uma grande lástima, para as escolas, sobretudo, que ele não tenha tido a oportunidade de frequentá-las, teria muito a contribuir. ontem, foi bonito demais ouvir o João Miguel dizer que estava “escrevendo um poema”. como se vê, a vida desembocou-me neste lugar de elo, que assumo muito ancho e satisfeito. a balança do tempo já pesa um pouco mais pro lado que ando pelo mêi do mundo. severino que sou, há sempre uma pedra no meio do caminho, mas elas não contavam com o povo que pude conhecer nos fraseados dos dias. não há como citar nomes, mas são gentes que me estenderam a mão, enxugaram minhas lágrimas e me botaram, em definitivo, no prumo da poesia. para minha felicidade, muitas continuam andando por dentro dos meus abraços e comungando dos meus melhores sorrisos. é preciso dizer sempre: agradecido!
ResponderEliminarLindas e verdadeiras palavras, seu pai foi e sempre será uma pessoa que plantou o bem sem olhar a quem, vos educou de forma impar e assim tenho certeza que você fará com seu filho. Sucesso e um forte abraço do seu primo no sertão do cangaço.
ResponderEliminarAgradecido, Julião! Um forte abraço!
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